terça-feira, 24 de agosto de 2010

RIM E GOTA

RIM E GOTA

Sinônimo: podraga

Histórico
A gota é conhecida há 2500 anos.
Hipócrates, 500 anos a.C., sentenciou seis aforismos breves:
- os eunucos não têm gota;
- as mulheres só a tem após a menopausa;
- os jovens só têm gota após a maturidade;
- na afecção gotosa, a inflamação desaparece em quarenta dias;
- a gota torna-se ativa na primavera e outono;
- o inchume e a dor nas juntas não provocam feridas.

A história moderna da gota e sua descrição em mínimos detalhes foi realizada em 1683, por Thomas Sydenham, que se baseou nos seus próprios sofrimentos de 34 anos de gotoso e portador de cálculos renais. Ele dizia "eu não sei qual é dor mais severa, se a da gota ou a do cálculo".

O que é?
É uma doença metabólica caracterizada por:
- deposição de cristais de uratos nas articulações, provocando ataques recorrentes de artrite;
- acúmulo de cristais formando depósitos (tofos);
- presença eventual de cálculos renais;
- possibilidade de provocar uma nefrite no interstício do rim chamada de nefrite intersticial úrica.

Trata-se de uma afecção comum, com distribuição universal ocorrendo em até 3% da população geral, principalmente, nos homens, aos 30-40 anos e, nas mulheres, no período pós-menopausa.

Todos os gotosos têm hiperuricemia, mas nem todos os hiperuricêmicos têm gota. A superprodução de ácido úrico é responsável por 10% dos casos e a diminuição da excreção urinária de ácido úrico representa os restantes 90% dos gotosos.

O típico ataque de gota caracteriza-se por 80% dos ataques iniciais incluindo uma só articulação, geralmente atingindo o dedo grande do pé, inflamação conhecida como podagra. A dor intensa é acompanhada de inflamação, edema e vermelhidão da articulação e, quando atinge outra articulação, pode ser confundida com artrite, tenosinuvite e até celulite. A gota, didaticamente, pode ser classificada em primária e secundária. A primária, mais comum, é de causa desconhecida e talvez ligada a fatores genéticos. A gota secundária deve-se a fatores predisponentes como:
- álcool,
- trauma,
- dieta hiperproteica,
- drogas que provocam grande destruição celular,
- uso abusivo de aspirina e diuréticos.

A gota evolui por três estágios clássicos:
- a artrite gotosa aguda,
- o intervalo gotoso sem ataques
- a gota crônica cheia de tofos de uratos nos ossos e articulações.

A gota aguda é predominantemente uma doença de extremidades, sendo que 75-90% do ataque inicial são monoarticulares e 50% deles são do dedo grande dos pés (podagra). Em ordem de freqüência, ocorre no tornozelo, calcanhar, joelho, pulso e dedos. Os ataques posteriores podem ser poliarticulares. O intervalo das crises depende muito do atendimento e do controle dos fatores predisponentes.

A lesão característica da gota é o tofo, que é um depósito de cristais de urato monosódico monohidratado, dispostos radialmente e rodeados por um processo inflamatório. São encontrados nas articulações, na sinovia das cartilagens, nas epífises dos ossos e nos interstícios do rim.

Os pacientes não tratados costumam sofrer novos ataques gotosos, 62% em 1 ano e 80% em 2 anos. A gota crônica ocorre sempre com artrite crônica, que pode ser confundida com artrite reumatóide ou poliartrite inflamatória crônica.

Prevalência e Incidência

Na Europa e nos EUA, a gota ocorre em até 0,5% da população. No Brasil, não temos estatísticas para comparar. Entretanto, sabemos que quanto maior a ingesta de proteínas (purinas) por uma população mais freqüente são os casos de hiperuricemia e de prováveis gotosos. Nas I e II guerras mundiais, com a diminuição de ingesta protéica, houve grande redução dos casos de gota, voltando a incidência ao normal no período de paz. O risco do desenvolvimento da gota aumenta com a elevação da hiperuricemia e da idade. No quadro, abaixo vemos a incidência percentual conforme a idade:

Ácido úrico 50 anos 60 anos
6,0 - 6,9 2 2
7,0 - 7,9 4 17
8,0 - 8,9 11 25
9,0 - 9,9 30 90

A hiperuricemia é correlacionada à masculinidade, índice ponderal, obesidade, ingesta protéica, nível social e educacional. Os jovens pré-puberes têm ácido úrico baixo, média de 3,5 mg%. O ácido úrico vai aumentando com o avançar da idade. Por isso, Hipócrates já falava no 1º e 3º aforismo que eunucos e jovens não têm gota. As mulheres na pré-menopausa, pela secreção de estrógenos, têm maior eliminação de ácido úrico pela urina e, por isso, só fazem gota na menopausa, 2º aforismo de Hipócrates.

Como se reconhece um gotoso?
A artrite do dedo grande do pé é característica da gota. A artrite inclui muita dor, vermelhidão, calor, inchume e dificuldade para caminhar. Pode haver artrite do calcanhar e outras articulações. A imagem da articulação mostra grande processo inflamatório, inchume e podem ocorrer tofos. Nos exames laboratoriais, temos hiperuricemia e sinais de inflamação.

Tratamento
O tratamento visa predominantemente à resolução da crise aguda e à normalização dos níveis plasmáticos de ácido úrico. A dor da crise é muito intensa e os antiinflamatórios não esteróides são usados com bastante freqüência porque diminuem a inflamação. Sempre se adiciona à colchicina, que é uma droga útil e efetiva na solução das crises gotosas.

Muito raramente será necessária a intervenção diretamente na articulação com punções articulares para aliviar a tensão e deposição de cristais de urato. Esta intervenção de emergência alivia muito os sintomas da podagra. Após os estudos clínicos, podemos usar medicações que diminuam a produção de ácido úrico ou outros que aumentem a excreção do mesmo pela urina, dependendo da origem da doença.

Como a gota é acompanhada de outras manifestações, deve-se estudar e tratar o gotoso multidisciplinarmente, porque ele pode se apresentar com cálculos renais, nefrite intersticial, hipertensão arterial e sintomas cardiovasculares.

O tratamento da gota inclui dieta com menos purinas. Para isso se diminui a ingesta de proteínas, principalmente as originárias da carne de gado, peixes e aves, frutos do mar, miúdos e grãos. Se o paciente é um grande produtor endógeno de ácido úrico, deve-se usar medicamento que bloqueie a produção de ácido úrico pelo fígado (alopurinol) e, se for um péssimo eliminador renal de ácido úrico, devemos usar medicamentos uricosúricos, que aumentem a excreção renal de ácido úrico.

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